sábado, novembro 26, 2011

Tem algo errado nessa quadrilha amorosa




Por Nathalia Moraes

  As vezes me sinto uma idiota, uma adolescente com aparelho nos dentes, cheia de espinha na bochecha e hormonalmente chata, é quando a imagem de mulher bem resolvida, sucedida, responsável e sábia vai ao chão, escorre pelo ralo, e só sobra a menina.
  Justo eu, que adoro falar sobre relacionamentos, adoro contar para todo mundo sobre minhas aventuras amorosas. Eu, que poderia abrir um consultório sentimental, minhas amigas adoram meus discursos, mas sabe aquele maldito ditado "faça o que eu falo, e não o que eu faço" não me serve como carapuça, não, ele me cobre inteira.
  Sempre falei para todo mundo que a gente tem que se valorizar, tem que gostar de quem gosta da gente. Tá, então por que eu tenho que fazer tudo ao contrário? É incrível, não, na verdade chega a ser deprimente. Eu sei passo a passo todas as receitas e simpatias para se dar bem, e o que eu consigo? Nada. Não consigo me obedecer, sabe como é?
  Eu adoro falar que homem de verdade não liga se a mulher é difícil, mas vê se eu quero quem fica no meu pé?! Me veio a cabeça uma cena típica, de Carlos Drummond de Andrade, vejamos a Quadrilha: "João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém..." Prazer, Teresa! O João é uma graça, um fofo, um doce, aliás acho que colocaram mais açúcar do que a receita mandava, e eu tenho tendência a diabets. Ei, será que o Raimundo também tem? Porque a Maria é tão azeda, e ainda assim ele só tem olhos para ela. Bom, na verdade ele tem olhos para Maria, para Lili e para qualquer outra fulana que entrar nessa história, menos para a Teresa aqui. 
   Ixi que confusão! Eu sou assim mesmo, uma confusão só. O que acontece é que eu tenho doutorado em não querer quem me quer. Pronto, falei! O cara é um lindo, de verdade, ele é bem legal, a gente se diverte, ele é super responsável, bom moço, me respeita, adora me ouvir, fazer minha vontades, temos todos os gostos em comum, ele daria a vida por mim, nascemos um para o outro. E sabe o que me coração acha disso? Nada, ele não acha nada, ele simplesmente ignora todos esse fatores, não acelera nem um batimentozinho quando o fulano aparece, inércia total, se finge de morto. Já fiz respiração boca a boca, fiz de tudo, mas ele não responde, não adianta.
   Coração teimoso. Ok, idiota, assim como eu. Basta o outro, sim, o Joaquim do verso, aparecer, que ele bomba, pareço ter engolido uma escola de samba, meu sorriso abre quase que automaticamente, pareço uma boba.
   Não, coração! Você está errado, não é para acelerar agora. Não por ele, você sabe quem é esse aí? Ele adora me deixar toda apaixonada, adora me beijar com vontade, me abraçar apertado, me faz rir igual criança, o jeitinho que ele me olha, a conchinha dele não dói o braço, ele adora me fazer a mulher mais feliz do mundo e me ignorar no dia seguinte. É isso que ele adora!
   Ele ama rock, e eu sou chicleteira de carteirinha. Ele adora frio, e eu sou a cara do verão. Corinthiano e Tricolor, quando isso vai dar certo? Odeia trabalhar, estudar então? Sério, ele escreve ansiedade com c e eu tenho pavor de erros gramaticais. Fuma, enche a cara, dá em cima até da mãe no café da manhã. É um ogro de cabelo bagunçado e chinelo. Nada a vê comigo, entende? Logo eu... A gente não combina em nada, e você vai logo bombar por ele? Essa história que os opostos se atraem só funciona nas comédias romanticas e olha lá.
    Eu tenho essa mania, deve estar no DNA, porque não é de hoje, desde que me conheço por gente eu sou assim. E sabe o que é pior? Quando ele se der conta que me ama, eu não vou querer mais. Ele vai virar o João, e eu e meu coração já seremos do próximo Joaquim. Parece que perde a graça, deve ser culpa daquela tal tendência sadomasoquista que eu já comentei que tenho.
    Não aguento mais esse tempo que não se encontra. Não adianta colocar ele na minha vida quando eu já mudei de idéia. Essa história de fazer a gente se encontrar na fila do pão, daqui dez anos é linda, mas não para mim.
    O que eu queria é parar com isso, queria que meu cérebro finalmente entrasse em sintonia com o meu coração, que eles parassem de brigar e se entendessem de uma vez. Não quero mais João, nem Joaquim. Quero alguém que também esteja cansado desses desencontros. Alguém que segure minha mão, e nossos dedos se encaixem como lego, e que nessa hora, nossos corações batam na mesma sintonia. Não quero amores perfeitos, porque acho que seria pedir demais, mas pedir para encontrar alguém que esteja disposto a amar da mesma forma que eu me disponho, é pedir muito?
    Já não sei mais nem para quem apelar, é Santo Antônio, é Deus, é Gênio da lâmpada, é Cupido. Não sei, só sei que seja lá quem for, peço que me ouça, e preste bastante atenção no que eu tenho a dizer:
    Saiba que não acho justo fazer alguém me amar, sem fazer com que eu o ame ao mesmo tempo, assim como não acho justo fazer com que eu ame alguém que não vai me amar. O amor é lindo, e não deveria ser assim, cheio de desencontros. E se o amor é um sentimento do lado do bem, porque fazer tanta gente sofrer assim? E não me venha com aquele papo de que tudo acontece na hora certa, a hora certa é agora, felicidade não se adia, não admito esperar para ser feliz amanhã, já esperei tempo demais, cansei de esperar a minha vez, cansei de desperdiçar tantos beijos e sonhos em vão, estou cheia de amores até a página dois. Já aprendi, chega de apanhar. E não me peça para ter calma, meu relógio sentimental grita por amores verdadeiros, por trocas sinceras, implora por vida a dois, por beijos apaixonados. Se eu não vou amar, não faça com que me ame, e se eu não vou ser amada, não faça com que eu ame.
   Drummond que me desculpe, mas de hoje em diante a Quadrilha passará a ser: 
   João amava Teresa, e ela o amava também. Raimundo amava Maria, e ela o amava também. Joaquim amava Lili, e ela o amava também. E todos estavam felizes, e é assim que deve ser. 
   
  
   
  

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