sexta-feira, novembro 04, 2011

Quem sabe de mim sou eu


Por Nathalia Moraes

  Poderia tirar umas férias da minha vida, que ainda teria muita gente pra não deixar eu perder nada. Sabe como é? Tem gente mais preocupada comigo, que eu mesma. Qualquer assunto, qualquer mesmo, sempre tem alguém ali, prontinho pra dar uma opinião, mesmo que eu não peça.
     Não entendo como conseguem administrar o tempo pra cuidar de outras vidas, eu vivo reclamando que as vinte e quatro horas são poucas pra mim. É muita coisa pra cuidar, pra fazer, pra viver. Já é difícil com uma só, fico imaginando com várias. Trabalho árduo.
     Esses dias encontrei minha vizinha no elevador, eu com cara de dor de cabeça, e ela com um sorrisinho, quase que não se aguentando, bastou eu sorrir de volta que ela já se sentiu a vontade pra comentar: "-Foi boa a festinha ontem, hein?!" Minha vontade foi responder:
"-Foi sim, seu marido deu um show!" Mas, me contive apenas com um sorrisinho irônico, sem falar nada. Qualquer dia vou me sentir a vontade pra dizer que o filho dela merece umas boas palmadas por fazer tanta birra as 8h da manhã em pleno domingo. E acham que ela parou por aí? Não. Continuou com o discurso:
    -Se você quiser, tenho um remedinho pra ressaca ótimo! Mas você é nova, 21 aninhos, ainda tem muita ressaca pra aguentar. Logo passa. Mas menina, esses dias encontrei a Cláudia do 51, sabe? Tá acabada, coitada. Muitos problemas. Filho jovem dá muita dor de cabeça, e a mãe que sofre, porque o pai não tá nem aí, é sempre assim. Por isso, escolha bem com quem você vai casar, viu? Esses dias encontrei seu namoradinho saindo daí, uma graça ele. Opa! Chegou. Tá linda viu?  Tava muito magrinha antes, assim tá bem melhor mais cheinha. Tchau, querida!
    Preciso dizer como eu estava naquele momento? Quem essa mulher pensa que é? Como ela sabe que eu tenho 21 aninhos? E eu lá vou saber quem é a coitada da Cláudia do 51? Não sei nem o nome dela. E que namoradinho é esse? Eu não namoro. Agora ela tinha que fechar com chave de ouro, né? Cheinha? Eu tô é inchada com essa menstruação que não desce logo. Saí tão irritada do elevador, porquê eu não disse nada? Aquele sorrisinho dela não me desceu o dia inteiro. Que vaca!
    Ela não sabe a noite que eu tive, não sabe a semana de provas filha-da-mãe que eu passei, não sabe os berros que eu tive que ouvir do idiota do meu chefe, da merda das contas que eu tive que sambar pra conseguir pagar, não sabe do infeliz vulcão que nasceu na minha cara em forma de espinha justo no sábado, não sabe do desespero que eu tô com a minha menstruação atrasada, não sabe do sapato apertado na minha unha machuda que eu tive que aguentar a noite toda, não sabe que eu me arrumei toda, fui pra uma balada achando que seria incrível, e tive que me contentar com o meu ex no meu pé. Alguém precisa contar essas coisas pra ela. Ela não pode me encontrar no elevador e se achar no direito de se meter na minha vida assim.
     Queria bater na porta dela, e dizer tudo isso, e começar a falar da vidinha mediocre que ela leva, que com um marido desses ela só podia passar a noite cuidando da vida alheia mesmo. Mas como ela chama? Eu não sei, não sei nem se ela tem marido. E aí eu fui me acalmando, e pensando. Eu não poderia retrucar, responder nada mesmo, porquê não sei nada dela, tô sempre muito ocupada sofrendo minhas ressacas, pra reparar se ela tá mais cheinha.
     E foi aí que eu comecei a reparar, me permiti gastar uns minutinhos da minha vida, pra observar a dela, e então eu percebi, ela era a coitada da Cláudia do 51. A criança que faz birra as 8 da manhã em pleno domingo, é filho da filha dela, que sai todo dia e deve ser por isso que ela tem um remedinho ótimo pra ressaca, e o marido, é aquele cara babaca que fica com gracinha com todas as meninas do prédio. E ela, tava realmente acabada, coitada.
     Pronto, entendi como é fácil cuidar da vida dos outros, é só parar de cuidar da sua. Se você parar pra observar como é a pessoa que adora falar de você, é isso que você vai encontrar, bagunça. Pessoas que acham tempo pra controlar, palpitar a bagunça do vizinho, esquecem de cuidar da própria casa.
     É assim, as pessoas gostam de falar da vida dos outros, pra esquecer da sua. Cada defeito que acham no outro, é algum interno que ela tá tentando encobrir, não se importe com o que você ouve, com o que os outros pensam de você, ninguém sabe de você mais que você mesmo. Elas podem achar que sabem, que te conhecem, podem até se achar no direito de falar de você, da sua vida, mas só você sabe o que você sente, quantas calças rasgadas você tem pelos tombos que já levou, só você sabe o que dói, onde dói, porque dói e qual a intensidade da sua dor. Só você sabe os monstros que você teve que matar no seu jogo, e o quanto sua ressaca embrulha seu estômago. Elas nem imaginam de onde vem seus motivos pra chorar, sorrir, beber, cair, viver. Só você sabe o quanto é bom ser você, mesmo com todos os seus defeitos, e quanto você é ocupada vivendo sua vida, sem ter tempo pra viver a dos outros. Afinal, quem sabe de você, é você mesma.

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