quinta-feira, maio 24, 2012

Carta de despedida





Por Nathalia Moraes

      Pequena,

                   nem tudo acontece como planejamos, sei que combinamos aproveitar esse friozinho para aquecer os pés juntos no final de semana e estrear o jogo de cobertas que sua mãe deu. Também não esqueci do vinho que prometi tomar com você, enquanto assistimos seu dvd novo do Chico Buarque. 
      Mas a vida tem dessas, vivemos programando o futuro e derrepente ele chega e muda tudo. Não pense que não gosto mais de você, ou que não me importo com nós, nem fique achando que nossa última discussão tem a ver com isso. Apenas não tive escolha, tampouco pude evitar, precisei ir e te deixar aí, sozinha, sem tempo ao menos para um beijo de despedida.
      Peço que não sofra, sinta saudade, mas não sofra. A vida tem dessas, pequena. Coloque o Chico para cantar e te fazer companhia, ele sempre tem algo para cantarolar, que caiba nos seus dias. Ouça o que ele diz. Faça uma cama bem quentinha com o cobertor novo. Vi que além do frio, vem chuva brava à noite, não se esqueça de fechar bem as janelas e conferir se trancou o portão. Coloque as meias listradas até o joelho, você fica linda mesmo com elas. Aproveite para descansar e dormir com esse barulhinho que você tanto gosta. 
      Não esqueça de dar comida para o Linguado, e se não for pedir muito, troque a água do aquário na sexta. Vê se não inventa aquela sua péssima mania de parar de comer quando fica triste. Te quero bem.
      Ah! Pensei no que você me disse sobre a vida, e nem tive tempo de te contar. Sabe, pequena, você tem razão, o problema não é confiar de mais, o problema é mesmo ser confiante de menos. Mas mesmo assim, mantenha os olhos bem abertos, o nariz para o horizonte, e quanto aos ouvidos e boca, lembre-se que foram feitos para usarmos na mesma proporção.
      Aproveite para marcar aquele japa que você e sua amiga estão adiando há semanas, abriu um ótimo ali na Avenida Brasil. Vá ao shopping também, compre um sapato e aquele perfume que você me disse. Não vá ficar alojada na sala. Vá se divertir.
      São só dez dias. Passa rápido, você vai ver. Domingo eu tô de volta e devo chegar por volta das 17 horas, mas confirmo com você. Sim, eu tentei te ligar, mas pra variar seu celular está desligado, vê se não esquece de carregá-lo. 
      Eles me ligaram antecipando a viagem pra hoje com urgência máxima, muito trabalho. Só tive tempo de passar em casa, colocar meia dúzia de roupas na mala e te escrever essa carta. Consegui comprar aquele sonho de doce de leite que você ama, da padaria lá perto do trabalho, tá na geladeira. E essa flor, bem, essa eu apanhei do jardim do vizinho mesmo, mas foi com amor!
      Espera que domingo tô voltando, qualquer coisa me liga, e se der, você bem que podia preparar aquele risoto de queijo que só você sabe fazer, né?! Colocar o vinho pra gelar e deixar o Chico no ponto da agulha. Quero abrir essa porta e te ver linda pulando no meu colo, me abraçando forte, e me beijando como se eu estivesse há anos longe.
      Fique bem e se cuide, já que não estarei aí esses dias para te cuidar. E ah, tenho você comigo, sorrindo, linda e de flor nos cabelos. Tô levando aquela sua foto que eu sou apaixonado, na carteira. 
       
      Ps.: Me perdoe pelo susto. Posso imaginar sua cara de ódio e alívio rs. Tira esse franzido da testa e deixa essa covinha moldurar seu sorriso. Você sabe o homem que tem, não resisti a brincadeira. Quando eu voltar você me bate, sua boba!

      Te amo e te quero todos os dias, longe ou perto, Pequena.

sexta-feira, maio 18, 2012

Perder-se na correria




Por Nathalia Moraes

Demorei a perceber
Aquilo que não percebia
Os olhos estavam fechados,
Já nem viam o dia que nascia.

Meus pés esqueceram o toque da areia
O vento sopra meu rosto e eu nem percebo
Deixei de sorrir para cada criança que passa
Não acordo cantarolando o velho samba enredo.

Não tenho mais tempo para nada,
O relógio gira depressa,
Sinto-me numa corrida sem freio
Sem ter o que me impeça.

A cidade não para nunca
Deixei o brilho se apagar
Os prédios quase tampam o céu azul
E eu já nem sonho mais em voar.

Esqueci os nomes dos super-heróis
Os desenhos não têm mais aquarela
Perdida no meio dos números
Não reparei o sol batendo na janela.

Chocolate quente, bolo da vovó, pastel na feira
Cobertura de morango, fruta no pé, maçã do amor
Só me restou um almoço vazio
Em frente ao computador.

Tom, Chico e Vinícius
Elis, Tim e Caetano
Gil, Cartola e Cazuza
E eu só ouço o celular chamando.

A Lua ficou cheia de novo
E eu se quer a cumprimentei
Pedidos não são mais feitos às estrelas
E eu só lembro dos e-mails que enviei.

Falta bom dia no elevador,
Beijo sem pressa quando chegar
Falta sorrir sem motivo algum
Levar o cachorro para passear.


O cinza da cidade cimentou minha sensibilidade
Paralisou meus sentidos em meio a correria
E pelos semáforos de cada avenida
Fui deixando pedaços de mim, restando apenas nostalgia.

quarta-feira, maio 16, 2012

Ouvi dizer sobre as maçãs do topo

Por Nathalia Moraes


Ouvi dizer sobre as maçãs do topo
Há quem diga que são as melhores
Há quem diga que são dos mais corajosos
Há quem diga que são descontentes com as de baixo.

Assis me desculpe, mas ei de discordar
Encanta-me as que logo ali estão.
Parecem atirar-se aos meus olhos
Querendo que eu as veja.

Vermelhas e brilhantes
Maduras, no ponto e prontas
Prontas para serem saboreadas
Pois sabem do sabor que têm.

Não precisam no topo estar
Sabem que quem as colhem 
Com o paladar agradado estará
Certas do gosto que têm.

Perdi o encanto pelas alturas
Que são escolhidas por estarem ali
Não porque brilham aos olhos,
Daqueles que olham-nas como são.

Talvez se mais para baixo estivessem
Teriam suas manchas mais vistas
O lado que não quererm mostrar
Que não se vê olhando de baixo para cima.

Se quero uma maçã
Quero pela fruta que és
Não pelo topo que esconde-se
Nem pela dificuldade em alcançá-la.

Escolho as que me aguçam os sentidos
Aquelas que posso tocar, ver e sentir
Que sabem das imperfeições que carregam
E ainda assim, matém-se frente aos meus olhos.

Mostram-se sem medo
Pois sabem que até suas manchas encantam
Quando não se tem vergonha do que és
São somente o que são, sem medo de ser.

Se não forem apanhadas um dia 
A altura que estavam, poupa a dor do impacto
Caem com leveza, ainda inteiras
Sem perder a beleza ao tocar o chão.

Já as maçãs que estavam no topo
Chegam ao chão em vários pedaços 
E os olhares curiosos que tentavam alcançá-las
Já não as notam onde agora estão, não sabem quem são. 


Hoje eu desejo um amor facinho para mim


Por Nathalia Moraes



      De todas as teorias e regras criadas nessa vida, a que mais me intriga é aquela em que diz que só damos valor àquilo que é difícil. Há quem acredite que para algo ser bom, devemos lutar para conseguir, deseja-se que haja esforço para que valha a pena e que tudo que nos vem facilmente, vai embora da mesma maneira. Acredita-se ainda, que essa regrinha é cabível em tudo que fazemos, seja no trabalho, no esporte, na escola e até mesmo nos relacionamentos amorosos - só esquecemos que nesse último caso, regras não sã bem vindas. 
       Essa teoria nos faz classificar as pessoas a nossa volta, se a mulher demonstra que está interessada, não fica acomodada esperando que o cara vá até ela, se ela responde aos sinais, sem colocar barreiras no meio do caminho é uma mulher fácil. Se fosse boa, não me daria esse mole. Se o cara decide deixar a casca dura de lado e dispensa os joguinhos de orgulho na conquista, se ele fica atrás, pronto, perde-se a graça. Porque vivemos querendo aquilo que não temos? 
       Fomos treinados ao combate, a nos sacrificar para conseguir aquilo que se deseja. Vivemos numa sociedade que preza o suor, que enaltece aqueles que sofrem antes de alcançar seus objetivos. E quando o assunto é a vida afetiva, agimos como se houvesse a necessidade de exibir nossas conquistas no jantar da família, de mostrar aos amigos os troféus expostos nas prateleiras. Só falta andarmos com uma medalha de "honra ao mérito" pendurada no peito. Porque lutamos e vencemos. Exaltamos o que nos causa inquietude e por muitas vezes, até o sofrimento.
       É daí que vem a minha discordância sobre o tema e me sobram questionamentos: o quanto devemos insistir em obter respostas recíprocas de pessoas que pouco demonstram interesse em retribuir os nossos sentimentos? O que de tão vitorioso tem, em dedicar-se a alguém que aparentemente, pouco importa-se conosco?
       Enxergar o amor como um campo de guerra, ou um caminho cheio de obstáculos, e só conseguir visualizar um final feliz assim, soa masoquista demais aos meus ouvidos. Optar pelo caminho mais esburacado, pelo simples fato de ter buracos, ao invés de seguir por uma estrada branda e plena não me parece a escolha mais sábia. 
       E posso explicar, a culpa está nessa mania que temos em querer premeditar as coisas, em boicotar algo que poderia acontecer naturalmente, é tentar prever como o outro vai reagir se fizermos assim ou assado, e acabar se perdendo no meio do caminho. Jogamos fora grandes chances de conhecer pessoas incríveis, simplesmente por estarem visivelmente interessadas, ou por querer criar um obstáculo desnecessário no meio do natural. 
       Sempre vou preferir pessoas de verdade, sem vergonha de ser o que são, pessoas que não esquematizam o que devem falar ou como devem agir, aqueles que demonstram sem medo o que sentem e o que querem. Clareza nos gestos, nas palavras e nas atitudes. Posso estar enganada, mas essas são características facilmente encontradas naqueles que possivelmente, classificaríamos como fácil e acabaríamos dispensando. Não parece infantil demais?
       O risco que se corre em admirar tanto o difícil, é acabar transformando aquele interesse inicial em orgulho de amor próprio em demasia. Como se fosse questão de honra transformar um não em sim,  e aí meus caros, deixa de ser sentimento puro, distancia-se do que é o amor, a motivação que você encontra em continuar insistindo naquilo, deixa de ser interesse pela pessoa, e temos então, alguém interessado apenas pela dificuldade. Muitas vezes até, escalando um muro que mal sabe-se o que tem do outro lado, quebrando a cara ao perceber que não era tudo aquilo que imaginara. 
       Além do que, aquela história de vencer pelo cansaço não me agrada nem um pouquinho, acredito que seja complicado começar algo que seja bom, porque cansou da situação anterior. É dar mais valor ao processo do que ao resultado. Quando pouco deveria importar quem sorriu primeiro para quem. Porque o valor de algo parece atrelado muito mais ao quanto você precisou sofrer para conseguir do que a qualquer medida de qualidade que seja inerente ao objeto.
       Já o amor fácil, por outro lado, não tem preço, é amor de graça. Não há outro interesse que não seja apenas o amar. A pessoa simplesmente gosta de você, sente aquilo e sorri, e te diz, e demonstra. Recebe-se amor puro, é ser gostado por aquilo que se é, você não precisou fazer propaganda de si, não precisou preocupar-se em dizer ou agir de alguma maneira que cause interesse no outro, ele simplesmente se interessou, sem que você precisasse inventar histórias, ou rastejar-se, muito menos vencê-lo pelo cansaço. Ele está ali por vontade de estar, apenas por te querer, facinho para que você aproxime-se e permita-se conhecê-lo - sem julgar ou classificar - ele te espera e te recebe de braços abertos. Os amores facinhos são assim, leves e naturais. Nenhum dos lados estão cansados, pelo contrário, estão dispostos e cheios de vontade de dedicar-se, podendo tornar o caminho bem mais gostoso e apaixonante. Existe beleza, verdade e entrega; e para mim, isso sim tem valor. 
         Afinal, o que pode ser melhor que ser amado e desejado por aquilo que se é - sem enrolação e truques de joguinhos de sedução? Para quê dificultar o que podemos viver de forma simples e tranquila? Fico me perguntando qual o prazer que se tem em perder tempo de ser feliz vivendo lindas histórias com outras pessoas? Qual é a graça em adiar o que, talvez possa ser o melhor beijo e até quem sabe, o encontro do amor da sua vida? 
         Para terminar, vale a pena parafrasear Shakespeare quando percebeu que: "Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor". E assim vou terminando, e o que eu desejo hoje, é um amor bem facinho para mim. 
       
       
       

        
       
       
       



sexta-feira, maio 11, 2012

Na sua casa ou na minha?


Por Nathalia Moraes

    Problemas com o cheque especial, e uma manhã inteira de estresse no banco... Situação perfeita para uma segunda-feira, não? Pois bem, foi assim que a minha começou, porém, em meio a tanto mau humor, fui surpreendida. E surpresas boas são essas que acontecem nessas segundas que a gente nem espera mesmo. 
    O gerente do banco estava de férias, e um outro funcionário estava substituindo. Engraçado que já tinha o visto por lá, mas nunca reparado direito, o que acabou sendo impossível evitar ali, sentada frente a ele. Além de uma graça, o rapaz ainda era bem simpático e conseguiu até me fazer rir, mesmo irritada. 
    Entre um cadastro e outro, conseguimos falar até sobre as propagandas mais marcantes da tv. Quando ele, finalmente resolveu minha situação, senti até pena de ir embora e interromper nosso papo, mas para minha surpresa, ele se arriscou em me ligar assim que pisei fora do banco. Ok que pode não ser muito profissional, mas adorei a ideia de continuarmos a conversa fora daquele ar condicionado. 
    E foi naquela segunda-feira mesmo, fomos para um bar discutir nossas filosofias malucas durante mais algumas horas, acompanhados de uma cervejinha, boas risadas, mãos que se encontravam "sem querer" sobre a mesa até encerrar o papo com o "melhor ir embora". 
    Me deixou em frente a minha casa, mas quem disse que consegui escapar do beijo de despedida, que foi se transformando em mãos, bocas, e corpos colados? Dois adultos trancado num carro com os vidros embaçados e muito calor, até ele me perguntar: "Na sua casa ou na minha?"
   Bom, se me permitem uma pausa... Já vou avisando que se você já está torcendo o nariz e pensando mal da mocinha da história, é melhor parar de ler aqui e voltar em outro texto. Cabecinhas fechadas nesse não!
   Continuemos...
   Quando ele me perguntou pra qual casa ir, foi como se todos os meus sinais de bom senso tivessem sido ativados, e disparado uma sirene, fazendo com que eu me afastasse da sua respiração ofegante e em fração de segundos entrasse em uma discussão interna entre o famoso e imortal tema "dar ou não dar". 
   Antes de encontrar a melhor opção, é preciso livrar-nos de qualquer pré-conceito barato e o que aprendemos na cartilha de "moça pra casar" da vovó, e prestarmos atenção no que de fato tem importância nessa decisão. 
   Temos duas opções aí, uma é seguir os bons modos e encerrar a noite ali mesmo, deixá-lo ir embora e dormir na vontade, esperando que ele ligue no dia seguinte, afinal, você se comportou e ele deverá levar isso em consideração - ou não, ou talvez ele te procure sim, mas só até você ceder, e depois esqueça seu número perdido entre tantos.
   A segunda opção é ser fiel a sua vontade e escolher para qual casa devem seguir, ter uma noite incrível e saber que se ele te procurar depois, foi porque ele quis repetir a dose, seja do bom papo, das risadas ou porque não da cama?! 
   O importante é entender, que ir ou não aos finalmente, na primeira vez, é estatisticamente irrelevante para o suposto futuro de uma suposta relação. Essa noite pode ser apenas uma noite, encerrada com chave de ouro. Como pode ser só o começo de uma vida juntos - como já vi em tantos casos. Isso vai depender mais da intimidade que se criou ao entregar-se a um "pseudo-conhecido", desde o primeiro toque, de como os olhos se encontram, de como a pele arrepia, do quanto vocês pareciam íntimos em tão pouco tempo, que do julgamento de falsa moral do parceiro.
  Claro que não estou dizendo que é para sair por aí distribuindo, que tudo bem. Bom senso está aí para ser usado, né? Existe sim, a possibilidade de se decepcionar, ou acabar sendo assunto de uma rodinha de meninos, mas também existe a chance, de que, não sendo um babaca infantil, essa decisão seja vista com bons olhos, e que o rapaz sinta-se especialmente irresistível (sem orgulho barato), o que pode ser imensamente sedutor, se a mulher souber tratá-lo com um carinho notável, e se o rapaz souber reconhecer à altura. Afinal, quem não gosta de sentir-se único e especial? Mesmo que só por aquele momento.
   O que falta entender, é que essa primeira fase, é eliminatória para os dois, não só para o homem, como é sempre colocado. Algumas coisas nos provocam a vontade de repetir, ou não. Excluindo qualquer tipo de julgamento canalha ou imaturo. Se o fato de não privar-se de uma vontade que se tem, fizer com que o cara te olhe com maus olhos, e isso for um motivo relevante para que ele ache que você não é para ele, então ele, com essa ideia machista e conservadora, tampouco servirá para você. 
   Concluímos de uma vez por todas então, que pouco tem a ver, o tempo que se conhecem, o que importa realmente, é a vontade de ambos. Nem sempre sente-se tão a vontade com alguém que você conhece há anos, como com alguém que você conheceu naquela manhã. 
   A noite terminara ali, nem na minha casa, nem na dele, mas nem de longe pelo motivo de ser certo ou errado, simplesmente por não estar preparada aquele dia. O que não me impede de dar uma passadinha no banco no final da semana e convidá-lo para uma saidinha  com direito à uma esticada na minha casa ou na dele.
   
   
   
  
   
   
   
   
   
   
   
   
    




terça-feira, maio 01, 2012

Mantenha as janelas sempre abertas


Por Nathalia Moraes


   Se eu já estivesse com os pés lá nos meus oitenta e poucos anos de cabelo branco e muita experiência por de trás das rugas, e já me permitisse sair por aí, distribuindo conselhos e sabedoria, minha primeira dica aos casais seria essa, mantenha as janelas sempre abertas. 
     Imaginemos a construção de uma casa, tijolos sendo posicionados e firmados um a um, e assim as paredes sendo erguidas, até conseguirmos ver a casa se formando. O mesmo acontece nos relacionamentos, que são construídos diariamente, até que se firme. 
    O que acontece é que nos posicionamos no interior da casa para erguer essas paredes, e então, quando elas estão altas o suficiente para que possamos nos sentir seguros e quentinhos lá dentro, nos contentamos em olhar o que acontece do lado de fora, apenas por uma frestinha da janela, que com o tempo vai fechando. 
    Mas também, quem é que se importa com todo o resto, quando apenas duas pessoas se completam? Lá dentro não falta nada, lá tem tudo que se precisa, tem amor, tem afeto, tem a segurança de não se sentir sozinho nunca, tem olhar sem desvio, tem uma vida sendo descoberta e desenhada a quatro mãos, tem beijos, abraços e sexo com sentimento. A respiração, o cheiro e o som do outro basta. Isso é maravilhoso, então o que mais podemos querer? 
    Fantasiando romanticamente (e até demasiadamente doce) a visão de dois corpos apaixonados, seria esse o cenário tão sonhado, cenário perfeito onde só tem espaço para nós, nosso amor, nosso presente e futuro. De vez em quando nos permitimos aparecer na janela para compartilhar da nossa felicidade tão íntima e particular, com o mundo lá fora. Como um sinal de quem diz: "Ainda não morremos de amor". 
    Imagino que se continuássemos ali sentados, esperando para ver o que acontece com os casais dos romances água-com-açúcar, depois do "the end", depois que as letrinhas sobem e eles vão viver felizes para sempre, suspeito que seria mais ou menos assim. E poderíamos até desejar uma vida assim para os nossos romances. 
    Mas será que seria, de fato, o mais sábio a se querer? 
    Deixando um pouquinho a "cinderelice" de lado, analisemos com uma outra visão, é realmente tentador e até tendencioso que nos fechemos para o mundo, quando nos vemos apaixonados e felizes na relação, acho que podemos considerar até natural que se crie uma sutil faixa de isolamento entre o casal e todo o resto. 
    O perigo mora exatamente nessa linha tênue, entre o aceitável e o asfixiante. Sim, porquê essa fina camada tende a se transformar em paredes com janelas fechadas, com o passar do tempo. O início se dá, quando começamos a fechar a janela sem perceber, primeiro as janelas do fundo, perdendo o contato com aqueles amigos mais distantes, que quase já não se via mesmo, depois as janelas das laterais, começamos a dispensar as pessoas que costumávamos sair para gastar boas horas de risada, filosofia de bar e trocas inestimáveis de experiência, que tanto nos enriqueceram um dia. Por fim, fechamos a janela principal, aquela que recebia a luz do sol batendo direto, quando estamos sempre ocupados demais para as pessoas mais próximas, justamente aquelas que se fizeram sempre presentes, dedicados ombros, ouvidos e colos jamais negados.
     Eis que sem perceber, estamos isolados, trancafiados na nossa vidinha a dois, mas o que esqueceram de avisar é que não há amor, criatividade ou boa vontade que impeça a aproximação da rotina desgastante. São dois seres fechados em um ambiente que não se renova, não surpreende, alimenta-se de uma única troca, eu me transformo em você, você em mim, e o crescimento pessoal se perde em meio a tanto egoísmo. Não há espaço ou inspiração para desenvolver sua potencialidade. Perde-se então, um bem chamado individualidade. Já não entra mais luz, nem vento.
     É preciso, primeiramente, entender que um casal é formado por dois seres, que independente do estado civil, continuam precisando de raízes firmes, que fortificam-se ainda mais nas reuniões em família (cada qual com a sua), continuam precisando dos laços de amizade, daquele tempinho revigorante com os amigos, precisam de mais trocas, do convívio com pessoas diferentes. Relações que já existiam devem ser mantidas, assim como novas devem ser criadas, pelo simples fato de ser saudável assim. Precisam do contato com o mundo, participar da vida como um todo e acima de tudo, manter e desenvolver a individualidade, como pessoas únicas que são. Só assim, é possível enriquecer e simultaneamente tornar a relação rica.
     Tenho a sensação de que isso acontece quando as partes envolvidas ainda não se encontraram singularmente, então acabam depositando expectativas de felicidade em relações afetivas, tornando um ao outro, a parte mais importante de si. O que tende a colocar o relacionamento em uma bolha, separada do mundo. 
      Mas, acredito que não seja a melhor escolha a se tomar, e explico, certamente todos já ouvimos dizer que o amor não é exato, mesmo que muitas vezes tentemos desfazer essa teoria com as nossas certezas de amor eterno, relações são incertas. Querendo ou não, uma hora ou outra a casa pode, literalmente, cair. E quando as paredes vierem ao chão, teremos duas pessoas assustadas, sozinhas, perdidas em um mundo que tinha deixado de pertencer a elas, que se sentem inseguras e vazias, sem as mãos do outro para segurar. Sendo obrigadas a se redescobrirem, a reaprender a lidar com a vida, tentar refazer e recuperar laços desfeitos. 
     E não é fácil sentir-se assim, portanto, se eu já me permitisse aconselhar, arriscaria sugerir que quando paredes forem construídas, não devemos contentar-nos apenas em observar o mundo lá fora, pela fresta da janela, é preciso manter as janelas sempre abertas, para que a luz possa entrar, iluminar e aquecer. Para que novos ares possam circular, assim como as pessoas, as inspirações, as surpresas, renovando o que se tem, como deve ser. Que pelas janelas, entre a relação mais pura e sábia, a relação com a vida, grandiosa como ela é.
    Até porque, seria um grande desperdício essas janelas fechadas, com o mundo todo que se tem lá fora.