segunda-feira, abril 23, 2012

Saudade que não se mata


Por Nathalia Moraes

    "Bom dia, minha princesa" era assim que ele costumava me acordar, colocava a xícara de café com leite, com mais café que leite - porque faz diferença, e só o dele era assim - na cabeceira da cama, ia abrindo um pouco da cortina, deixando um fio de luz me despertar e alcançava o Joe, meu cachorrinho de pelúcia, que sempre ia parar no chão. 
        Acordei com o cheirinho das nossas manhãs no nariz, do momento que era tão e unicamente nosso, senti sua presença tão forte ali comigo, que por alguns minutos me desliguei da realidade e meu coração ficou quentinho de novo, até abrir os olhos e, bom, há anos meu pai já deixou de me acordar assim, mas sei que se ele ainda estivesse entre nós, continuaria me chamando de "minha princesa", porque ele me dizia isso, que eu seria sempre a princesa do seu castelo, com qualquer idade. Parece poeticamente carregado em exageros e fantasias, mas ele era assim, um poeta da vida, de olhar intenso, e uma doçura quase que infantil, por trás daquela barba com voz gravemente rouca. 
        Sempre que a saudade bate forte assim, eu tento preparar o café com leite, como o que ele fazia, com a tentativa de preencher aquele vazio, em vão, porque mesmo seguindo a medida exata, nunca consigo que fique igual. Não tem o mesmo gosto, nem o mesmo cheiro do "bom dia, minha princesa" de cada manhã. Não tem aqueles primeiros minutos do dia corrido que ele dedicava a mim, mesmo quando ele sabia que o dia seria puxado. Não tem o cenário fantasioso que só se consegue enxergar na infância. 
         E é em cada uma dessas tentativas que eu tento me convencer de que não é todo tipo de saudade que conseguimos matar, já fechei a cara para Deus por isso, mas foi assim que pude compreender que estas são ainda mais especiais, para serem sentidas com carinho, mesmo quando a dor tentar ser maior, serem transformadas em força e mantidas ali com você, sem pressa de acabar, como um presente lindo que alguém que te ama muito te deixou. 
         Talvez seja como quando sentimos saudades de alguém que passou por nossas vidas, mas que conseguimos encontrá-lo, e mesmo que o reencontro seja bom, a saudade não passa, e os encontros podem ser repetidos inúmeras vezes, que a saudade insiste em continuar apertando ali. É quando na verdade, a saudade era dos momentos que ficaram bem guardados em algum lugar do passado, era saudade do que se viveu, do sentido que aquilo fez para você, das sensações que tivera em um outro tempo que não é o agora. 
         Aí então, só nos resta senti-la já que não conseguiremos matá-la, caso contrário, ela deixaria de existir no primeiro gole do café com leite, este que rapidamente deixaria de ser algo tão simples, porém com uma carga de sentimentos lindos e únicos, e consequentemente, deixaria também de ser  o amor em forma de saudade que me aproxima e me leva ao seu encontro, mesmo que em frações de segundos de coração aquecido, nos segundos que eu abro mão de qualquer maturidade e deixo-me ser a sua princesa.