terça-feira, maio 01, 2012

Mantenha as janelas sempre abertas


Por Nathalia Moraes


   Se eu já estivesse com os pés lá nos meus oitenta e poucos anos de cabelo branco e muita experiência por de trás das rugas, e já me permitisse sair por aí, distribuindo conselhos e sabedoria, minha primeira dica aos casais seria essa, mantenha as janelas sempre abertas. 
     Imaginemos a construção de uma casa, tijolos sendo posicionados e firmados um a um, e assim as paredes sendo erguidas, até conseguirmos ver a casa se formando. O mesmo acontece nos relacionamentos, que são construídos diariamente, até que se firme. 
    O que acontece é que nos posicionamos no interior da casa para erguer essas paredes, e então, quando elas estão altas o suficiente para que possamos nos sentir seguros e quentinhos lá dentro, nos contentamos em olhar o que acontece do lado de fora, apenas por uma frestinha da janela, que com o tempo vai fechando. 
    Mas também, quem é que se importa com todo o resto, quando apenas duas pessoas se completam? Lá dentro não falta nada, lá tem tudo que se precisa, tem amor, tem afeto, tem a segurança de não se sentir sozinho nunca, tem olhar sem desvio, tem uma vida sendo descoberta e desenhada a quatro mãos, tem beijos, abraços e sexo com sentimento. A respiração, o cheiro e o som do outro basta. Isso é maravilhoso, então o que mais podemos querer? 
    Fantasiando romanticamente (e até demasiadamente doce) a visão de dois corpos apaixonados, seria esse o cenário tão sonhado, cenário perfeito onde só tem espaço para nós, nosso amor, nosso presente e futuro. De vez em quando nos permitimos aparecer na janela para compartilhar da nossa felicidade tão íntima e particular, com o mundo lá fora. Como um sinal de quem diz: "Ainda não morremos de amor". 
    Imagino que se continuássemos ali sentados, esperando para ver o que acontece com os casais dos romances água-com-açúcar, depois do "the end", depois que as letrinhas sobem e eles vão viver felizes para sempre, suspeito que seria mais ou menos assim. E poderíamos até desejar uma vida assim para os nossos romances. 
    Mas será que seria, de fato, o mais sábio a se querer? 
    Deixando um pouquinho a "cinderelice" de lado, analisemos com uma outra visão, é realmente tentador e até tendencioso que nos fechemos para o mundo, quando nos vemos apaixonados e felizes na relação, acho que podemos considerar até natural que se crie uma sutil faixa de isolamento entre o casal e todo o resto. 
    O perigo mora exatamente nessa linha tênue, entre o aceitável e o asfixiante. Sim, porquê essa fina camada tende a se transformar em paredes com janelas fechadas, com o passar do tempo. O início se dá, quando começamos a fechar a janela sem perceber, primeiro as janelas do fundo, perdendo o contato com aqueles amigos mais distantes, que quase já não se via mesmo, depois as janelas das laterais, começamos a dispensar as pessoas que costumávamos sair para gastar boas horas de risada, filosofia de bar e trocas inestimáveis de experiência, que tanto nos enriqueceram um dia. Por fim, fechamos a janela principal, aquela que recebia a luz do sol batendo direto, quando estamos sempre ocupados demais para as pessoas mais próximas, justamente aquelas que se fizeram sempre presentes, dedicados ombros, ouvidos e colos jamais negados.
     Eis que sem perceber, estamos isolados, trancafiados na nossa vidinha a dois, mas o que esqueceram de avisar é que não há amor, criatividade ou boa vontade que impeça a aproximação da rotina desgastante. São dois seres fechados em um ambiente que não se renova, não surpreende, alimenta-se de uma única troca, eu me transformo em você, você em mim, e o crescimento pessoal se perde em meio a tanto egoísmo. Não há espaço ou inspiração para desenvolver sua potencialidade. Perde-se então, um bem chamado individualidade. Já não entra mais luz, nem vento.
     É preciso, primeiramente, entender que um casal é formado por dois seres, que independente do estado civil, continuam precisando de raízes firmes, que fortificam-se ainda mais nas reuniões em família (cada qual com a sua), continuam precisando dos laços de amizade, daquele tempinho revigorante com os amigos, precisam de mais trocas, do convívio com pessoas diferentes. Relações que já existiam devem ser mantidas, assim como novas devem ser criadas, pelo simples fato de ser saudável assim. Precisam do contato com o mundo, participar da vida como um todo e acima de tudo, manter e desenvolver a individualidade, como pessoas únicas que são. Só assim, é possível enriquecer e simultaneamente tornar a relação rica.
     Tenho a sensação de que isso acontece quando as partes envolvidas ainda não se encontraram singularmente, então acabam depositando expectativas de felicidade em relações afetivas, tornando um ao outro, a parte mais importante de si. O que tende a colocar o relacionamento em uma bolha, separada do mundo. 
      Mas, acredito que não seja a melhor escolha a se tomar, e explico, certamente todos já ouvimos dizer que o amor não é exato, mesmo que muitas vezes tentemos desfazer essa teoria com as nossas certezas de amor eterno, relações são incertas. Querendo ou não, uma hora ou outra a casa pode, literalmente, cair. E quando as paredes vierem ao chão, teremos duas pessoas assustadas, sozinhas, perdidas em um mundo que tinha deixado de pertencer a elas, que se sentem inseguras e vazias, sem as mãos do outro para segurar. Sendo obrigadas a se redescobrirem, a reaprender a lidar com a vida, tentar refazer e recuperar laços desfeitos. 
     E não é fácil sentir-se assim, portanto, se eu já me permitisse aconselhar, arriscaria sugerir que quando paredes forem construídas, não devemos contentar-nos apenas em observar o mundo lá fora, pela fresta da janela, é preciso manter as janelas sempre abertas, para que a luz possa entrar, iluminar e aquecer. Para que novos ares possam circular, assim como as pessoas, as inspirações, as surpresas, renovando o que se tem, como deve ser. Que pelas janelas, entre a relação mais pura e sábia, a relação com a vida, grandiosa como ela é.
    Até porque, seria um grande desperdício essas janelas fechadas, com o mundo todo que se tem lá fora. 
     
     
    
    
    
    
   

      
      
      
     


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