sexta-feira, dezembro 09, 2011

Na era do desapego obrigatório




Por Nathalia Moraes

     Podem me chamar de velha, mas eu cansei de tanta modernidade. Dia desses tentei ir a uma dessas baladas que todo mundo acha incrível, lotada de homens com camiseta listrada e mulheres com salto 15, música que não dá para cantar, onde todo mundo é lindo (até que acendam as luzes ou passe o efeito do álcool), simpático, engraçado, moderninho, desapegado...
             No começo até foi legal, tava empolgada, animada, uhul! Mas aí fui inventar de observar, tenho essa mania chata, passei longos minutos observando cada figura, para tentar descobrir alguma coisa diferente, mas todo mundo era tão igual, em tudo. Fiquei tentando encontrar onde estava o incrível daquilo tudo e só conseguia desejar profundamente minha casa, minha cama, minha tv, minhas músicas. Talvez se eu voltasse outro dia, acho que não estava muito inspirada nessa noite, na verdade já estava achando aquilo um saco.
             Sentei em um daqueles sofás vermelhos, com a minha água na mão, tentando acompanhar com os olhos, flashes do que acontecia, até que um cara se aproximou, e pediu para sentar-se ao meu lado. A princípio a resposta seria automaticamente negativa, mas como eu tava ali, quase que invadindo um espaço que não era muito meu, deixei que ele se sentasse. Não demorou muito para que ele começasse um papinho sem sentido, seguido de uma tentativa de invadir meu espaço físico com mãos aceleradas e boca cheia de vontade. Eu sem paciência, acabei sendo um pouco (ou bastante) grossa com o pobre garoto, que percebeu e me perguntou: O que você quer então? Aquela pergunta ficou ecoando no meu subconsciente durante alguns minutos. Fiquei ali, parada, só pensando no que ele havia me perguntado. Eu estava naquele lugar, mas o que eu queria então, se não beijar um desconhecido com um papinho de dar dó e nem lembrar seu nome no dia seguinte? O que eu quero afinal?
             Quer saber o que eu quero? Respondi, olhando em seus olhos. Quero que você saia daqui comigo e se proponha a pagar um leite com café na padaria e não uma dose de vodka com energético, e depois siga para a minha casa, e não me deixe na porta sem olhar para trás, quero que você estacione o carro, me coloque para dentro, se despessa com um beijinho e vá embora e me ligue no dia seguinte, marcando um sorvete na beira do lago e me pegue de surpresa num beijo inesperado com gostinho de cobertura de morango e não com bafo de cerveja. E que não acabe ali, quero que deseje me ver mais vezes, muitas vezes, até não conseguir mais passar um dia sequer, sem pelo menos um beijo e um abraço apertado no portão. 
               O menino me olhava com os olhos tão arregalados, certamente estava me achando uma louca, ou até mesmo uma carente perdida no mundo moderno. Mas eu não me importei, ele tinha perguntado e eu queria mesmo era responder, então continuei... Sabe o que mais eu quero? Quero que você nunca mais use essa camisa que te deixa igual a todos, e saia despreocupado, com o cabelo bagunçado sem esse gel moldando os espetos para o ar, quero que você tire esse tênis de não sei quantas molas, e vista o bom e velho all star. E que o creme hidratante de morango com chantilly esteja apenas na minha prateleira e jamais na sua.
               Quero mesmo é que você pare de me olhar com essa cara de bobo, e me olhe com olhos de admiração, que me ache gostosa sim, mas que me ache linda, engraçada e gente boa também. E que queira construir comigo uma história, dessas de dar inveja em filme de amor, e queira construir também uma casinha colorida, com jardim e cerquinhas para os cachorros correrem a vontade de um lado para o outro sem fugir, com duas cadeiras na frente, pra gente ficar vendo o pôr-do-sol de mãos dadas, depois do trabalho. E que o melhor lugar do mundo seja a nossa cama e que me prometa que vamos resolver todos os problemas antes de deitar nela, e que não vamos deitar nunca de bunda um pro outro, e que ali faremos amor até o dia amanhecer, e que de manhã enquanto você toma banho e eu passo o café, eu possa olhar para nossa cama, com os lencóis bagunçados, e sorrir percebendo o quanto nos amamos e somos felizes. 
               Não entendia como ele ainda estava ali me ouvindo, mas eu queria era falar mais, e ver até onde ele aguentaria. Hora de mexer na ferida. Depois de alguns anos, quero que você seja o pai dos meus filhos gordinhos com caixinhos na ponta dos cabelos, e mais que isso, que ganhe o prêmio de melhor pai do mundo, para combinar comigo. Que seja paciente quando eles perguntarem inúmeras vezes se falta muito para chegar, cada vez que formos viajar para a praia, e que construa castelinhos de areia com ela, e ensine nosso menino a surfar.
                E o mais importante, que no final de tudo, não tenha fim, que não pensemos em fim. Que possamos sorrir, feliz, em paz, sorrir com os olhos, com o coração. E quando estivermos velhinhos, deitados na nossa cama, possamos olhar para trás e ver como o amor vale a pena. É, é só isso que eu quero.
                Acho que passou uma hora de discurso, e o cara estava lá ainda, parado, me olhando assustado. Me respondeu quase gaguejando que eu era linda e que ele desejava que eu encontrasse alguém assim, mas que tinha de ir ao banheiro. Eu ri, sozinha. Ele deve ter me achado louca, pirada e desesperada para casar, e mesmo tendo me ouvido o tempo todo, tratou de fugir assim que apertei o ponto final. Claro que ele não era nem de longe o cara que eu estava sonhando em cada frase dita, mas ele me perguntou, e eu fui sincera, pelo menos uma vez, porque qualquer uma no meu lugar, sentindo-se presa nessa modernidade do desapego, responderia que não quer nada, que não quer se envolver, não quer se apegar, não quer namorar, casar então, nem pensar.
               Sinto que, infelizmente, as pessoas se sentem obrigadas a dizer que não se apegam, que não se envolvem. Estamos em uma fase onde amar virou brega, a pessoa que deseja se apaixonar e viver lindas histórias de amor, passou a ser um ser carente e pegajoso. Todo mundo tão forte, resistente a qualquer ponta de sentimento que o coração tente emitir. Fogem dos relacionamentos, como se fosse algo feio, errado. Deixam para trás boas chances de dividir uma cama e lindas histórias. E eu me pergunto, pra que? Quando foi que o amor deixou de ser desejo e passou a ser vergonha? Desde quando ser feliz tem a ver com ser sozinho e desapegado? Se isso é ser moderno, prefiro continuar sendo a velha da história, a ultrapassada, a carente, a grudenta. Cansei de tanta modernidade, da era do desapego obrigatório, quero mesmo é viver histórias lindas de muito amor, sem vergonha ou repressão. Moderno para mim é conseguir tudo isso, nesse mundo com pessoas loucas que vivemos, dessa forma sim, eu quero ser moderna.
                 

   

Um comentário:

  1. sensacional Nat!!!! Gosto do seu estilo!!! parabéns pela nova iniciativa das leituras tb!!! vai em frente! Beijos, Zé

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